OLHOS SOBRE TELA

Thursday, March 02, 2006


SE EU FOSSE VOCÊ


Dois meses depois de sua estréia nos cinemas, Se eu fosse você, o novo longa de Daniel Filho continua firme e forte em várias salas. Seu público já ultrapassou 1 milhão de espectadores, o que é uma grande vitória para um longa brasileiro. Está certo que todo esse sucesso se deve à eficiente propaganda do filme feita pela Rede Globo. Sem contar que os protagonistas do filme, Tony Ramos e glória Pires formam o par romântico da novela das 8.
O filme conta a história de um casal de classe média alta, Cláudio e Helena (Tony Ramos e Gloria Pires) que num belo dia trocam de corpos, ou seja, ele passa a ser ela e vice versa. Consequentemente, muitas confusões surgem a partir daí... É impossível não achar graça dos trejeitos femininos de Tony Ramos quando literalmente encarna sua esposa. É hilário. E não são trejeitos gays estereotipados, ele realmente se transforma numa mulher. Glória Pires também não faz feio encarnando um homem. Apesar da atuação medíocre do resto do elenco, o casal de protagonistas dá conta do recado.
Vamos agora ao conteúdo do longa. Se seu propósito é simplesmente fazer o espectador rir, ponto para ele. Porém, se não fosse a comicidade de Tony Ramos, o filme seria grotesco.
Ideologicamente, Se eu fosse você é preconceituoso e machista. O homem (Cláudio, o marido) é um publicitário bem sucedido e bem visto pela sociedade enquanto a mulher rege um “coral de criancinhas”, como ela mesma diz, numa escola de padres. “Eu tenho uma agência inteira pra cuidar, enquanto você só tem as criancinhas do coral”, diz o marido. É incrível a desvalorização que se dá àqueles que trabalham com “criancinhas”. Por que? Ainda se o marido fosse um médico que salva vidas, um professor que EDUCA seus alunos, ou até um ator cujo ofício é entreter as pessoas entenderíamos um pouco melhor essa supervalorização de seu trabalho. Mas ele não passa de um publicitário que, embora rico, não faz nada mais do que criar propagandas machistas. Mas eficazes. Caso contrário, ele não teria o padrão de vida que tem, afinal sua mulher é uma professorinha. Que coisa não? O fato é que na sociedade em que vivemos, qualquer trabalho que não seja diretamente voltado para o lucro é considerado menor e menos importante. É o caso dos professores, dos artistas, dos sociólogos, filósofos... Para que pensar, educar e criar se isso só gasta tempo e não traz dinheiro rapidamente para alimentar o sistema?
Ok, eu realmente temia que este texto sobre o filme acabasse virando um tratado revolucionário anti-capitalista... Não sou daqueles que usam camisa do Che Guevara, não sou comuna, assisto King Kong e tomo Coca Cola sem grandes problemas ideológicos. Mas esta foi uma reflexão que me veio à tona durante este filme aparentemente leve e despretencioso. Obviamente o filme não tem a intenção de gerar estas reflexões e é ai que mora o perigo de filmes como este. Camuflados entre uma piadinha e outra, valores como o preconceito, a ganância e o egoísmo são cuspidos ao espectador que não pediu nada além de um filme leve para se divertir num domingo à tarde.